sexta-feira, 17 de julho de 2009

Onde o tempo passa mais devagar


Pacata, Irineópolis contrasta passado colonial com presente centrado na agricultura

Edinei Wassoaski
IRINEÓPOLIS

A barbearia ainda é a mesma de décadas atrás. O barbeiro também. Os frequentadores se dividem entre velhos amigos e descendentes de amigos já falecidos. A prosa no velho estabelecimento de madeira mal começa e já chega alguém querendo passar a navalha. “Sou barbeiro, não cabeleireiro”, faz questão de dizer Acir Marques, que do alto de seus 67 anos parece autoridade em se tratando da história de Irineópolis, que na próxima quarta-feira, 22, completa 47 anos. Acir é da estirpe dos Valões, reais fundadores do então povoado de Valões, que deu origem ao município.
Acir conversa enquanto faz a barba de Laurindo Nunes, um florianopolitano que caiu por estas terras por opção. Queria respirar o ar do interior. Trabalhou aqui como funcionário do Governo, acabou conhecendo a mulher com quem se casou e por aqui foi ficando, até que um dia resolveu se mandar para Curitiba. Acabou voltando. “A mulher tem parentes aqui”, justifica. Laurindo sente saudades do ritmo frenético da capital. “Quero voltar para Curitiba, mas não consigo vender minha casa. Você conhece alguém que queira comprar? Pago comissão”, interpela o aposentado, para quem Irineópolis parou no tempo.
Acir discorda. Acha que no passado a cidade já passou por momentos bem piores. “Hoje tudo é melhor”, avalia quem já viu a cidade toda ter chão batido. O asfalto no centro apareceu somente na década de 1980. Laurindo não faz a réplica pra não perder o amigo, mas sua cara de reprovação demonstra claramente sua opinião.
A conversa flui e de repente o presidente da Câmara, Geraldo Orlonski chega. Veio trazer um documento que Acir pediu para ele pegar em Florianópolis. Com o documento vai ver sua esposa definitivamente aposentada. Abre um sorriso ao cravar os olhos no papel. Embora Geraldo seja tucano, não incomoda Acir, peemedebista até a medula. A barbearia é carimbada de recortes exaltando o governo de Luiz Henrique. “Ele é muito meu amigo, todos eles são, o Pavan, inclusive”, conta Acir transbordando orgulho. A devoção ao PMDB não é à toa. Acir foi um dos fundadores do partido na cidade. Sua barbearia foi sede das primeiras reuniões partidárias.
Sua opinião sobre o desenvolvimento da cidade, no entanto, não tem nada a ver com política, garante. Ele concorda que no passado havia algumas vantagens como a diversão – existiam dois clubes de dança –, o futebol, representado pelo Iguaçu, time respeitadíssimo na região, do qual Acir foi craque e cansou de ver lotar o campo municipal que existia onde hoje está a chácara Unterstell. Mas lembra que setores como a saúde eram um caos. “Se você quebrava um braço ficava aleijado, não tinha médico”.
O progresso, entretanto, tem seus efeitos colaterais que para Acir são a degradação da juventude. Sem atividade, muitos passam o fim de semana bebendo e fumando. O barbeiro mostra um arbusto em frente a seu estabelecimento ornado de latas e garrafas de cerveja. “Tem bituca de maconha também”, garante, revirando o arbusto, mas sem sucesso. “Hoje não achei, mas cansei de catar cigarro de maconha por aqui”. A barbearia de Acir está localizada na avenida central da cidade.

Balsa traz divisas ao município


É assim o dia todo. Ilói (assim mesmo, com “i”) Levandowski vai e vem sem parar enquanto assume a direção da balsa que liga Irineópolis a Paula Freitas-PR. “Não tem descanso, tem gente indo e voltando sempre”, conta. A fim de estimular a economia, tratores e colheitadeiras não pagam a taxa de embarque. A Lei vale só para Irineópolis. Paula Freitas não vê com bons olhos o escoamento de suas divisas para a cidade vizinha.
Às margens do rio Iguaçú, que separa as cidades, nasceu a colônia de Valões. A casa da família fundadora ainda está lá. As casinhas de barro, no entanto, deram lugar a barracos e casebres que contrastam com ranchos pesqueiros requintados que desafiam o conceito de área de preservação permanente.

Agricultura ainda é o forte da economia


Hoje pelo menos 69% da população irineopolitana vive na área rural. Mesmo quem mora na cidade, como o agricultor Vicente Lech, tem área ativa no interior. Lech planta de tudo um pouco em Bom Retiro, a 12 quilômetros do centro da cidade. Comparando passado e presente, ressalta o regime militar. “Foram os militares que tiraram os agrônomos dos escritórios”. E não foi só isso. “Garantiu o preço mínimo, estabeleceu a eletrificação e a aposentadoria rural”, elenca. Lech lembra que antigamente o plantio era manual. Hoje o maquinário facilita, e muito. “Não tinha organização, não tinha cooperativa, o agricultor plantava sem garantia de vender, se o mercado não comprasse tinha de jogar tudo fora”. O que persiste do passado? “O preço baixo, esse nunca foi muito bom”, responde.
Lech tem seis filhos. Somente uma se interessou pela agricultura, o restante foi viver em outras cidades. Mas Lech mantém esperança de que quando se aposentar os filhos vão continuar cultivando suas terras. “Quem tem propriedade tem que erguer a mão pro céu e agradecer”, sentencia lembrando o tempo em que a terra era vendida a preço de banana, bem diferente de hoje.

Aqui quem mandava era o coronel



Esqueça aquele perfil machão, bigodudo, de ossos grandes e postura imponente. O coronel que por aqui imperou por anos era uma figura de olhar meigo, bigode cirurgicamente talhado, ossos finos, que desfilava elegância e gentilezas. Só não podia ser contrariado. Joaquim Domit aportou em Valões em 1918, a pedido do governador Hercílio Luz, a fim de apaziguar o que restava da Guerra do Contestado. Gostou tanto que por aqui montou uma serraria na fazenda onde 11 anos depois veria concluído o casarão que hoje é museu estadual. Ali também tinha um moinho, que produzia energia que abastecia todo o povoado. Afinado com a mais alta estirpe política estadual, udenista de coração, Domit representou vários governos que confiavam em suas decisões. Assim, decidiu destinos e fez inimigos na mesma proporção que colecionou amigos. As opiniões sobre sua passagem por Valões são das mais contraditórias. “Muitos o amavam, outros o odiavam, mas todos o respeitavam”, conta Roberto Domit de Oliveira, neto de Joaquim, que hoje cuida do casarão-museu recentemente restaurado, um dos pontos turísticos da cidade, aberto a visitação, desde que com agendamento prévio.
Roberto conta que o casarão, muito mais que o valor histórico da construção, guarda passagens que remetem à história de Irineópolis. Era de dentro do casarão que saíam nomes de diretores de escolas, de delegados, inspetores e demais cargos públicos. Obras importantes para o município como escolas, o hospital, a delegacia, além do Batalhão de Engenharia e Combate e o Hospital São Braz, em Porto União, foram definidas no casarão.
Ali, o coronel – o título nada tinha de militar, já que era concedido a empresários que tivessem mais de 100 empregados – recebeu nove governadores e um presidente da República interino (Nereu Ramos, em 1958). A visita, descobriu-se mais tarde, foi como o pagamento de uma dívida de gratidão. Domit tinha sido padrinho de Nereu na maçonaria.
As histórias do avô, Roberto ouviu da avó, Sofia, já que Joaquim morreu quando ele tinha 11 anos, em 1968, aos 88 anos. Roberto perdeu a mãe (filha única do coronel com Sofia) cedo e acabou convivendo mais com a avó, que faleceu em 1992. Em 15 de agosto, sessão solene da Academia de Letras do Vale do Iguaçú será realizada no casarão como forma de celebrar o centenário do nascimento de Sofia e homenagear o coronel.