segunda-feira, 18 de maio de 2009

O telegrafista inquieto



Wando Sckudlarek é exemplo de superação e ecletismo – de telegrafista no passado, hoje se aventura em novas mídias digitalizando discos por puro prazer

Edinei Wassoaski
PORTO UNIÃO

Sabe aquele personagem de um seriado antigo chamado Profissão: Perigo? Angus MacGyver era literalmente “o cara”, que tinha uma solução para tudo. Inventivo, sagaz, esperto, conquistou legiões de fãs no Brasil. A recordação não é por acaso quando se fala com Wando Sckudlarek. Aos 75 anos, mesmo depois de um derrame que o deixou com dificuldades de andar e afetou parcialmente sua dicção, Wando transborda empolgação ao falar do que já fez, está fazendo ou fará.
Nascido em Poço Preto, hoje interior de Irineópolis, descendente de poloneses, neto e filho de ferroviários, foi justamente na Estação Ferroviária onde que começou a trabalhar. Seus avós se fixaram em Rio Claro, localidade de Mallet-PR. Seu avô paterno trabalhava no ramal da estação em Santa Leocádia, interior de Canoinhas.
Em 1930, João, pai de Wando, entrou na Estação Ferroviária, nomeado para Poço Preto, ocasião em que Wando nasceu. Dois anos e meio depois, João foi transferido para Marcílio Dias, distrito de Canoinhas. Foi no distrito onde Wando viveu a maior parte de sua vida. Ainda estão frescas as recordações do futebol no fim da tarde, das rasteiras levadas pela hoje Dra. Adair Dittrich, amiga de infância de Wando e das passagens de trem pela Estação, que operava em ritmo frenético.
Da escola, onde entrou com nove anos (não aceitavam crianças com menos de oito anos), tem boas recordações de Avani Dittrich, irmão de Adair, que dirigia a escola do distrito, à época já chamada de Professor Manoel da Silva Quadros. “Era chamado de Escola Estadual, lembro que levava dois “es” estampados na camiseta”, conta.
Wando se lembra da lendária empresa Olsen, que no auge de seu sucesso chegou a criar um padrão de qualidade. “Os compradores dos Estados Unidos pediam ‘imbuia tipo Olsen’, com a certeza de que receberiam um material de qualidade”.

A ESTAÇÃO

Wando concluiu o primário no Almirante Barroso e fez um ano na Escola Agrícola (hoje Cedup Vidal Ramos). A tempo, percebeu que não queria ser técnico agrícola e decidiu trabalhar como praticante gratuito de tipografia. A palavra “gratuito” lhe rendeu dois anos de trabalho sem receber um tostão sequer. “Eles (a rede ferroviária) não contratavam se não tivesse aprendido o ofício na própria estação”, revela. Esperto, Wando aproveitou este período de filantropia para aprender tudo sobre o ofício de telegrafista. Foi justamente como operador de telégrafo que foi contratado assim que o período de gratuidade terminou.
O telégrafo é o precursor dos telefones. Funcionava em uma base de madeira e transmitia mensagens por meio de toques disparados em código Morse. “Quando vou a escolas mostrar como funcionava, as crianças não acreditam que era assim que nos comunicávamos”, diverte-se.

A FOLGA

Dias de folga são dias para se inventar. Inquieto e sedento por conhecimento, Wando não perdia uma oportunidade de arriscar algo novo. Foi assim que ele criou até um telefone de madeira no qual, jura, sua esposa Jurema, falou com o irmão que estava na Nigéria.
Mas as invencionices de Wando, que surpreendiam a vizinhança de Marcílio Dias, não param por aí. Entre os muitos ofícios que desempenhou em Canoinhas, se destacam o de consertador de relógios e rádios, fotógrafo e até enfermeiro.
No ofício de fotógrafo, histórias não faltam. “Minha esposa é costureira, então fazíamos os casamentos, eu as fotos, ela as roupas”.
Foi assim que Wando conseguiu uma façanha que se tornou popular décadas depois. Em 1962 a filha de um Pangratz, uma das mais tradicionais famílias do distrito, decidiu se casar e contratou Wando para fazer as fotos. “Todos ficaram muito impressionados quando eu saí do casamento logo após o corte do bolo, fui para casa, revelei os filmes e trouxe, pouco depois, as fotos prontas”, conta.

A PRIMEIRA TV

Ainda no espírito pioneiro, Wando teve a primeira tevê funcionando de Marcílio Dias. Isso porque a primeira a comprar um televisor foi a Dra. Adair. A tevê, no entanto, só funcionou depois que a de Wando resolveu exibir as primeiras imagens. A tevê, comprada dos Mery Seleme, só funcionou com uma antena de sete metros, mais um cabo de ferro de outros sete metros. Os 14 metros de altura fizeram surgir as primeiras imagens da TV Tarobá, de Curitiba. “Os vizinhos se admiravam, alunos da escola que estavam saindo naquela hora invadiram minha casa para ver a televisão, teve um vizinho que não acreditou e disse que era um truque”, relembra.

ERA DO AUTOMÓVEL

Wando faz questão de afirmar que tudo que conseguiu na vida foi à base de muita luta. “Ferroviário e policial eram as classes mais desvalorizadas, recebíamos menos que o salário mínimo”, recorda. Mesmo assim, com os extras que fazia e o trabalho rente de Jurema, Wando se permitiu algumas regalias como auferir o título de “primeiro pobre de Marcílio Dias a ter um carro”. “Consegui comprar um Chevrolet 41 em 1964. Naquela época somente os mais ricos do distrito tinham carro”.
Pouco depois, começou a pagar um consórcio e teve a sorte de ser contemplado no primeiro sorteio. Comprou um Fusca 65 zero quilômetro, deixando os vizinhos embasbacados.

RECONHECIMENTO

Depois de anos trabalhando como telegrafista, em 1978 Wando foi promovido a supervisor de estações. Teve de se mudar com a família para Porto União, onde ficava a sede regional. Ainda em Canoinhas, fez um curso de “madureza”, um intensivo que dava direito ao diploma do ginasial e do ensino médio em um ano cada. Só não entrou na faculdade de Administração (oferecido pelo Colégio Comercial) porque o dinheiro não dava para pagar a sua faculdade e a do filho mais velho, que estava prestes a ingressar na Tupy, em Curitiba-PR. “Tinha de optar entre eu e meu filho e optei por ele”.
Aposentado, pai de três filhos adultos, hoje Wando continua morando em Porto União, mas não esquece os amigos que deixou em Marcílio Dias Para passar o tempo, achou uma atividade moderna e produtiva, para não fugir do estigma de pioneiro e sedento por conhecimento. Passa meses digitalizando discos de vinis. Em três anos, já digitalizou 600 discos para um colecionador.
Mas o espírito de MacGyver não fica por aí. “Fiz a instalação elétrica de toda a minha casa”, conta com orgulho. O que? Ele também é eletricista. Melhor parar de perguntar senão a reportagem vai ficar ainda mais extensa.